Seminário “O Direito Autoral na Era Digital”

A ABRA (Associação Brasileira de Roteiristas e Autores) participou do seminário organizado pelo SICAV (Sindicado da Indústria Audiovisual), que pretende ao longo do ano debater e convergir com diversos agentes do setor para uma legislação definitiva sobre a Gestão Coletiva dos Direitos de Autor.

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Segue abaixo a minha fala, representando a ABRA.

“Gostaria de agradecer o convite e a ocasião de entrar no debate desse tema que é de grande interesse e crucial importância para os roteiristas. Muitos de nós, da ABRA, estamos na origem da criação da GEDAR, que, inclusive acaba de ser aceita como membro da CISAC – Confederação Internacional de Sociedades de Autores e Compositores, que congrega todas as entidades de gestão coletiva de direitos de autor ao redor do mundo.

Fazendo parte de uma mesa formada em sua maioria por advogados que, muito melhor do que eu, vão poder falar dos Direitos de Autor e Propriedade Intelectual sob um prisma jurídico, e sendo eu a primeira a falar, me contentarei a fazer o que faço de melhor, contar uma história e aproveitarei para oferecer a premissa para toda discussão posterior sobre o tema dos Direitos de Autor.

Já ouvi de muitas pessoas importantes do mundo do cinema e do audiovisual que o ROTEIRO é um calhamaço de folhas escritas que, uma vez o filme realizado, não tem mais interesse, a não ser o de fetiche ou peça de colecionador; que o roteiro não tem validade… Ou seja, que o roteiro não tem valor intrínseco e não é mais do que ponte intermediária entre ideia – o grão da genialidade – e filme, obra em si.

Pois eu gostaria de propor aqui uma outra percepção do roteiro, seja qual for o ambiente, o suporte ou o formato no qual a história que ele porta se apresente. E vou me servir do mais hitchcockiano dos autores dramáticos pra ilustrar meus propósitos, o que poderia ser considerado, no mínimo, como um golpe baixo.

Pois bem, por uma sucessão incrivelmente bem encadeada de cenas, com Capuletos e Montecchios, Teobaldo e Mercurio, París, Frei Lourenzo e Baltasar, uma aposta e um duelo, dois casamentos – um indesejado e o outro secreto -, dois frascos de veneno – um falso e um verdadeiro –  e uma mensagem extraviada, a gente chega próximo do clímax com Romeu diante do corpo inerte e aparentemente morto de Julieta.

No entanto, nós, espectadores, sabemos que Julieta está viva. E mais: sabemos também que Romeu desconhece o plano e a falsa morte de sua amada. E é com o coração na mão que somos capazes de adivinhar o que se passa em sua cabeça. Assistimos ao seu desespero e antecipamos que esse desespero culminará no seu suicídio.

Esse é o ponto que eu gostaria de realçar aqui: essa taquicardia, essa ansiedade e angústia, essa lágrima, enfim, esse saber desencantado e sufocante experimentado por cada espectador que assistiu essa cena de Romeu e Julieta nos últimos 500 anos…

Essa emoção não está escrita em nenhuma página desse calhamaço destinado ao lixo ou ao fetichista colecionador. Ela não foi nem filmada, ou seja, ela não está nem no papel e nem na tela, mas ela foi concebida para se desprender da tela e entrar no corpo e na mente do espectador pelos olhos e pelos ouvidos e se transformar numa compreensão visceral, fruto e obra da engenharia alquimista do autor que somente se opera no espectador.

E é nesse lugar que reside o roteiro, uma vez o filme pronto: um lugar imaterial, que se situa na percepção e na vivência da história por cada novo espectador. Um lugar que se reinaugura a cada projeção e a cada nova assistência ao filme.

Sim, o que avanço aqui é que, contrariamente a ideia do roteiro somente como objeto em porvir, associado exclusivamente ao “nascimento da obra”, ele se reitera a cada nova percepção gerada pelo agenciamento de fatos e informações articuladas pelo autor roteirista. A cada par de olhos e ouvidos e sentidos e entendimento, o roteiro novamente renasce, desabrocha e se exerce plenamente.

E, para lá da remuneração pelo trabalho de desenvolvimento dahistória e escrita do roteiro, que esse patrimônio vivo e incontestável de um autor dramático gere seus dividendos a cada exibição de uma obra é nada menos que legítima e merecida.

Posto isso, podemos avançar nessa discussão tão urgente e relevante para todos nós. Obrigada.”

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